quinta-feira, 10 de março de 2011

25 meses depois... mundo(s) novo(s),

sobre a esperança tem-se escrito muito e discursado muito mais. tal como sucede com a utopia, a esperança foi sempre, ao longo dos tempos, uma espécie de paraíso dos cépticos. e não só dos cépticos. crentes fervorosos, daqueles que estão convencidos de que levam por cima das suas cabeças a mão compassiva de deus a defendê-los da chuva e do calor, não se esquecem de lhe rogar que cumpra nesta vida ao menos uma pequena parte das bem-aventuranças que prometeu para a outra. por isso, quem não está satisfeito com a escassez que lhe coube na desigual distribuição dos bens do planeta, agarra-se à esperança de que o diabo nem sempre estará atrás da porta e que a riqueza lhe entrará mais cedo ou mais pela janela. quem tudo perdeu, mas conservou ao menos a triste vida, considera que lhe assiste o humano direito de esperar que o dia de amanhã não seja tão desgraçado como foi o dia de hoje. supondo, claro está, que haja justiça neste mundo. ora, se neste planeta existisse alguma coisa que merecesse semelhante nome, não a miragem do costume com que nos iludem os olhos e a mente, mas uma realidade que se pudesse tocar com as mãos, é evidente que não precisaríamos de andar todos os dias com a esperança ao colo, ou embalados nós ao colo dela. a simples justiça (não a dos tribunais, mas a daquele fundamental respeito que deveria presidir às relações entre os humanos) se encarregaria de pôr todas as coisas nos seus justos lugares. dantes, ao pobre de pedir a quem acabava de negar a esmola, dizia-se-lhe hipocritamente que “tivesse paciência”. penso que, na prática, aconselhar alguém a que tenha esperança não é muito diferente de aconselhá-la a que tenha paciência. é muito comum ouvir dizer que a impaciência é contra-revolucionária. talvez seja, talvez, mas eu inclino-me a pensar que, pelo contrário, muitas revoluções se perderam por demasiada paciência. obviamente, nada tenho de pessoal contra a esperança, mas prefiro a impaciência. já é hora de que ela se note no mundo para que alguma coisa comecem a aprender aqueles que preferem que nos alimentemos de esperanças.

esperanças
josé saramago
 jornal de letras
[10.02.2009]

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