terça-feira, 3 de janeiro de 2012

josés.

[bateram as 12 badaladas!]

caro josé soeiro,

partilho consigo (contigo?) a idade, o signo e alguma "perspetiva das coisas". nada disso vale nada de nada.

hoje, além da idade, do signo e da "perspetiva das coisas" partilhamos saramago. e eu passei a guardá-lo (guardar-te?) num canto especial.

explico.

apostaria que a figura e o pensamento de Saramago o fascina. não que concorde entusiasta e cegamente com o seu pensamento e postura. nem que goste de tudo o que ele escreveu. mas certamente sente-se (sentes-te?) fascinado pelo seu percurso, pelo seu nobel, pela sua coerência, pela sua vontade.

aposto.

em fevereiro de 2009 ele tornou público um texto que escreveu intitulado "esperanças". partilho-o hoje consigo (contigo?). e faço-o porque na sexta li um texto seu (teu?) que funcionou em mim da mesma forma como esse texto de saramago havia funcionado. como um murro no estomâgo por vermos aquilo que pensamos sobre algum assunto escrito por outrem de uma forma impossível a mim que o pensei.

mais, com um clareza, simplicidade e incisão assustadora. Os Josés a entrarem na minha cabeça e a alfabetizarem o que sinto. Eu, analfabeto sentimental, a ler-me.

foi isto.

e foi [só] isto que pela primeira vez me fez escrever a um político. a uma pessoa com voz.
para dizer que lê-lo (ler-te?) foi um dos meus momentos do ano. eu, impaciente humanista (teoricamente, quasi-comunista), psicólogo, leitor compulsivo de tudo e todos... eu perdido amargamente no sentimento de que vivemos um momento [um lugar] onde a impossibilidade da emergência de novos discursos bloqueia o necessário "ser e fazer comunitário".

paro. paro e penso. porque é que estou mesmo a escrever isto?

percebo... enfim.

para, egoísta, o (te?) convocar. o (te?) convocar a ser(es?) voz.

faça (faz?) voz. crie (cria?) discurso. um novo discurso.

agrega-me.

por favor!

t.

"sobre a esperança tem-se escrito muito e discursado muito mais. tal como sucede com a utopia, a esperança foi sempre, ao longo dos tempos, uma espécie de paraíso dos cépticos. e não só dos cépticos. crentes fervorosos, daqueles que estão convencidos de que levam por cima das suas cabeças a mão compassiva de deus a defendê-los da chuva e do calor, não se esquecem de lhe rogar que cumpra nesta vida ao menos uma pequena parte das bem-aventuranças que prometeu para a outra. por isso, quem não está satisfeito com a escassez que lhe coube na desigual distribuição dos bens do planeta, agarra-se à esperança de que o diabo nem sempre estará atrás da porta e que a riqueza lhe entrará mais cedo ou mais pela janela. quem tudo perdeu, mas conservou ao menos a triste vida, considera que lhe assiste o humano direito de esperar que o dia de amanhã não seja tão desgraçado como foi o dia de hoje. supondo, claro está, que haja justiça neste mundo. ora, se neste planeta existisse alguma coisa que merecesse semelhante nome, não a miragem do costume com que nos iludem os olhos e a mente, mas uma realidade que se pudesse tocar com as mãos, é evidente que não precisaríamos de andar todos os dias com a esperança ao colo, ou embalados nós ao colo dela. a simples justiça (não a dos tribunais, mas a daquele fundamental respeito que deveria presidir às relações entre os humanos) se encarregaria de pôr todas as coisas nos seus justos lugares. dantes, ao pobre de pedir a quem acabava de negar a esmola, dizia-se-lhe hipocritamente que “tivesse paciência”. penso que, na prática, aconselhar alguém a que tenha esperança não é muito diferente de aconselhá-la a que tenha paciência. é muito comum ouvir dizer que a impaciência é contra-revolucionária. talvez seja, talvez, mas eu inclino-me a pensar que, pelo contrário, muitas revoluções se perderam por demasiada paciência. obviamente, nada tenho de pessoal contra a esperança, mas prefiro a impaciência. já é hora de que ela se note no mundo para que alguma coisa comecem a aprender aqueles que preferem que nos alimentemos de esperanças."


esperanças
josé saramago 

jornal de letras [10.02.2009]

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